Coach de Parquinho

Bernardo Tavares
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A maior parte da vida dela se passou em tempos de pandemia, o que fez com que a pequena Maya tivesse pouco convívio social.

As raras aventuras ao ar livre, eram vivenciadas de máscara, com álcool sempre a postos e o alerta de distanciamento ligado.

Resultado disso tudo era visível na falta de habilidade no parquinho e no medo de cair, sempre presente. Outras crianças faziam com facilidade e velocidade, o que a Maya fazia com apreensão e um nítido cagaço.

Um dia ela estava prestes a desistir no meio de um obstáculo comuns do parquinho. Ela tava triste, irritada, frustrada e os sentimentos se espelharam instantaneamente em nós. Era preciso fazer algo, começar a mudar a história ali, naquela selva de remelas:

— Filha, você consegue tudo! Coloca a mão na barra de cima, agora o pé, vai! Força no pé e repete “eu consigo tudo”. Vai Maya! Você consegue tudo, filha. Lembra sempre do que o papai tá falando, “eu consigo tudo”, repete, filha! Mais um degrau só, vai. Viu? Você consegue tudo.

Passaram-se três meses desse dia marcante e toda vez que vamos no parquinho, ela sobe esse obstáculo e outros, repetindo sempre a frase em voz alta, em tom empoderador, gritando com orgulho: eu consigo tudo! Eu consigo tudo! Eu consigo tudo, papai!

Praticamente uma coach de parquinho, a sorte é que eles andam quase sempre vazios e eu, sempre, sempre de máscara, às vezes até duas, cobrindo da barba ao nariz, passando pelas bochechas vermelhas de quem tem a sensação de que criou uma monstrinha do crossfit.

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