Roupa de Desenho Animado
Quando eu era pequeno odiava comprar roupa. Um dia, cansado dessa tarefa, perguntei pra minha mãe se ela não podia simplesmente comprar meia dúzia de camisetas iguais, a mesma coisa pra calças e bermudas, mas em menor quantidade.
Ela achou muito esquisito e sem lógica nenhuma, mas eu insisti. Saquei do armário uma camiseta que eu gostava muito. Ela era cinza e tinha a letra B, bem grande, em vermelho.
Iniciei meu discurso retórico na tentativa de acabar com as idas em shoppings. O pensamento fazia sentido:
- Por que eu não posso usar sempre a mesma roupa?
- Porque suja.
- Tá, mas você pode comprar várias camisetas iguais, eu só quero não ter que escolher e poder usar sempre uma que me representa. Olha essa! Tem até a letra do meu nome.
- Filho, ninguém faz isso. Roupa igual é só pra escola. Senão parece que você não toma banho.
- Ah, faz sim. O Bart usa sempre camiseta vermelha e shorts azul, o Doug Funnie tem aquela bermuda bege, camiseta branca e até um agasalho verde, pra proteger o peito.
- Quem são esses?
- Mãe você precisa assistir mais desenhos.
ATENÇÃO!
Este miniconto pode parar por aqui, mas se você quiser continuar, a história teve um desfecho mais de vinte e poucos anos depois. Poderia ter sido antes, se eu tivesse me inspirado no Steve Jobs, mas aconteceu de forma forçada, quando começou a pandemia.
Corta pra 2020. Início da pandemia. Em casa a gente não tinha ideia de como lidar com tudo e evitar pegar o vírus. A solução: paranoia. Lavar compras, sapatos pra fora, overdose de álcool em gel e, uma das maiores loucuras, roupa de sair de casa.
Por mais de um ano eu tinha sempre a minha roupa de sair de casa. Aquela que usava pra ir no mercado, na padaria, pra fazer as poucas coisas que fazia fora de casa. Geralmente era sempre a mesma calça e camiseta.
Provavelmente quem me via sempre no bairro pensava:
- Esse aí não toma banho. Tá sempre com a mesma roupa.
A não ser que seja uma criança, daquelas que ainda assistem desenho e que não gostam de ir ao shopping.